Crônicas - Bipolar embriaguez.


Provas que provam.
(Prova Técnica da Fadurpe)

Números e formulas com proporções, multiplicar para dividir; Matemática. Meu maior rival enquanto o silêncio na sala é global, nessa hora da prova, muitos disputam uma vaga na escola técnica da Fadurpe, eu sou mais um entre eles que querem construir uma carreira diferenciada. Quem tá aqui estuda muito ou aposta em qualquer função para não estar e atrás de um balcão da Mc’Donalds. Quero muito passar nessa prova, por isso não estudei, a irresponsabilidade é o fator maior e nessas horas eu aposto tudo na habilidade da memória, se me lembro como é que se faz essa porra. E me vendo agora diante de números e formulas me perco e a raiz quadrada a diante vai me engolindo.

Orelhas de burros crescem, transfigurando – me, aos poucos um novo perfil vai abrindo-se para mim, burro para sempre, me condeno. Talvez não. Começo a pensar que o cara que inventou a matemática queria ter muita certeza da vida, era um cara de poucos amigos e desconfiado de tudo, acho que fazendeiro também, criava cabras, é isso ai, criava cabras e então começou a contá-las e somá-las para que não levasse mais fumo – igual enganado aqui em Recife dependendo de quem tragada – quando fosse revendê-las. Tenho absoluta certeza que ele cuidava das cabras sem importar-se com a vida, e essas cabras nem dava atenção nem retribuía seu fiel amor. Mas eis que um dia um lobo esperto de bobeira pelas redondezas devorou uma por uma por uma das cabras na maciota.  Vendo que apesar dos esforços da soma, o pastor, estava levando, fumo do mesmo jeito. Então aprendeu a contar as perdas e inventou a subtração. Passado tempo o pastor foi na cidade e comprou um carneiro bem macho e brabo, que passou a comer, em outro sentido, uma por uma das cabras.  E elas ficarão grávidas e ele aprendeu a multiplicar, a família foi crescendo e as brigas por espaços estavam levando ele à loucura já que cabia a ele ser o conciliador da história. Então aprendeu a dividir. Quando tudo estava resolvido em sua ordem natural que era: uma ovelha + um carneiro = vários carneirinhos, dividindo, outro cercado para esses carneirinhos e o lobo malandro vem e menos carneirinhos. Produtos reais e respostas verdadeiras. Seria ótimo se ele parasse por ai. Tempos depois o senhorio começará a surtar e criou idéias esquisitas e exóticas e isso deixou tudo muito louco na história da matemática e sem sentido para mim e mais uns trezentos.

Ainda perdido, os números vão caindo em forma de granizo, partindo pouco a pouco meu telhado, e não posso ficar aqui simplesmente vendo-me destelhar e achar o maior barato disto. Preciso fazer algo por mim e rápido antes que o tempo da prova acabe.  

Usando meus esforços sobrenaturais, faço uma viagem mental temporal, começo a pensar profundamente indo aos cantos pré-históricos de minha mente, lá onde os dinossauros corriam no recreio. Ouço a voz de minha professora ensinando equações e geometria, mas o que eu estava fazendo nessa hora? Veja só, eu estava de olho na rua e na vida lá fora, nas garotas que passavam com seus gracejos e risinhos que lembravam uma bolsinha cheia de moedas. Eu estava fazendo desenhos da aula e de como aquilo não me interessava, isso para mim era um espelho sem reflexo, eu ficava vendo, vendo, vendo, e não me enxergando, nem se tivesse uma lente de aumento, eu não me enxergaria dentro das áreas exatas. 

O relógio vai fazendo seu caminho, um tossir agoniando vem de lá de trás, e eu e os números, cadê cabeça pra isso? Cadê o que eu aprendi. Além das orelhas, agora eu tenho a cara de burro.  Ficou até bonitinha, dentro da prova faço rabiscos de um quadrinho futuro, que contará essa situação de forma cômica e vergonhosa. A fiscal passa por mim e enfia uma palavra contra a garganta:

- você não pode fazer isso, se continuar, vou ter que retirar sua prova.

Puta merda. Não posso expressar-me em signos? Perder a prova nem a pau, paguei foi vintão nela e isso que poderia ser investido numa noite de diversão, com poucas horas de duração é claro, sabendo eu aonde ir, com vinte reais eu chego a Bagdá.  Sentindo culpado perante o júri passo a borracha no passado, o desenho vai desaparecendo junto com minha vergonha e começo a filar da Mulher Agulha que esta uma cadeira a frente da minha frente. Magra e com cara de inteligente, usa óculos e têm os cabelos escorridos da cor castanha, calcula, projeta e desenhos e gráficos, são rabiscos que dava para construir uma nave espacial e dar um lavra daquela sala. Como um bom vilão, acionei o zoom de meus óculos e vi as respostas do seu gabarito. Ela marca, eu também, ela pensa, eu finjo que penso também, ela marca de novo e eu marco também. Estava faltando umas quinze perguntas de álgebra quando de repente ela pôs a mão na cabeça, como se estivesse errado alguma coisa no gabarito, era como se lá fora estivesse passando um gol contra que a seleção marcará para a Venezuela, sentido sua desolação, aos poucos fui apagando as respostas grifadas a lápis e ela abaixou a cabeça e foi se apagando dali. E a missão de se dar bem foi fracassada.

Quando você se perde numa prova por mais séria que ela seja recomendo você participar do Chuta Brasil, tem várias maneiras de ser fazer um gol de placa, existe o tradicional: uni duni tê, você pode também rezar um pai nosso e quando disser amem marca a escolhida, pra quem tem mais imaginação pode ler todas as alternativas e relacionar cada resposta com um número referente a evento ocorrido atualmente na sua vida quanto recente mais correta sua intuição estará, mas isso dá muito trabalho – e foi o que eu fiz e de uni duni tê a uni duni tê e escolhido foi você, a fiscal.

Fiz um imenso esforço já que minhas mãos agora eram cascos sujos, de burro, depois de tanto tentar e fazer barulho a fiscal, quadrada, chega até mim:

- já terminou?
- já. Falei
- então saia.

Sai e fui aproveitando o fim da tarde que aos poucos caia sobre o Recife.  Assobiando por todo corredor eu era entre os últimos a sair do prédio. No portão de saída encontro uma amiga, a responsável pelos pigarros:

- assinasse a prova?

Lembrei que não, agora já era, todo esforço, de me manter seguro dos números em forma de granizo caindo em meu telhado foi em vão. Destelhado, o jeito agora é por uma lona para não chover mais na sala e não queimar a TV nem molhar os livros, uma ducha fria e demorada em casa, vai deixar o telhado de meu juízo no mesmo lugar.


Recife 03 de julho de 2011